Nove horas de espera geram protesto de mulheres de caminhoneiros no Pará

Gisele Vaz –  Um drama marcado por nove horas de descaso, fome, maus tratos e humilhação. Foi o que passou um grupo de cinco ‘cristais’ – esposas de caminhoneiros – e seus filhos na frente da empresa Cargill Agrícola S/A, na cidade de Miritituba, no Estado do Pará. O fato aconteceu na última terça-feira (12), quando a cristal Paula Silva, 35, e seus dois filhos – de oito e três anos – e mais quatro cristais, também acompanhadas de seus filhos, num total de cinco crianças, passaram nove horas na frente da empresa à espera de seus esposos que estavam dentro da empresa esperando para descarregar. “Meu marido entrou às 10h30 e só saiu às 19h30”, conta Paula.
“Na empresa existe uma sala de espera com algumas cadeiras de plástico, um banheiro sem condições de higiene e em péssimo estado de conservação”, relata a cristal Paula. Nesse dia, a energia da sala de espera foi cortada às 13 horas. “Quando a energia acabou, ficou impossível permanecer no local por causa do calor e da quantidade de moscas. Colocamos as cadeiras pra fora, perto das lixeiras, que era o único lugar com um pouco de sombra. E ali ficamos até a hora de ir embora”, contou.
Ao longo das nove horas de espera, as crianças começaram a sentir fome, conta Paula. “Uma das cristais estava com um bebê de um ano e três meses. Ela estava um pouco afastada do grupo e o bebê não parava de chorar. Fomos até ela e perguntamos o que a criança tinha. Ela nos contou que era fome, ela não tinha leite para dar à criança. Como estava na hora da minha nenê mamar, pedi para o guarda chamar meu marido. Ele veio trazendo leite, massa e fralda. Dividi a mamadeira da minha filha com a filha dela”, relatou.
Paula acrescenta que todas as cristais se uniram e alimentaram os outros dois filhos da companheira. “Muito triste a situação dessa cristal. A viagem de Cuiabá, no Mato Grosso até Miritituba no Pará é longa e sofrida por conta das péssimas condições da estrada. Nós passamos oito dias enfileirados na BR-163, esperando o Exército Brasileiro autorizar nossa passagem. Eles estão realizando manutenção na estrada e, quando chove, nos obrigam a ficar parados para não estragar o trabalho que já foi feito”, diz Paula. Acrescentando que os desavisados ou sem cozinha no caminhão passam até fome. “Mesmo quem tem cozinha no caminhão passa por dificuldade se não souber que vai passar oito ou até dez dias parado no meio do nada. Uma hora acaba a alimentação”, afirma a cristal, dizendo que foi o que aconteceu com a família que elas tiveram que ajudar.

Atitude
Esse tipo de situação está sendo combatida pelo movimento MCO – Mulheres de Caminhoneiros com Orgulho, cuja presidente, Ione Estela Pessoa, está organizando um abaixo-assinado para entregar ao ministro dos Transportes, Maurício Quintella, pedindo tratamento humanizado às esposas de caminhoneiros. “Histórias como essa não são isoladas. Acontecem a cada minuto país afora. O Brasil não toma conhecimento disso, pois infelizmente nossos maridos, principalmente os que trabalham de carteira assinada, têm medo de perder o emprego, por isso não nos deixavam denunciar”, conta Ione afirmando que já houve caso de caminhoneiros serem demitidos. “No caso dos autônomos, quando um caminhoneiro reclama, a empresa coloca o nome dele numa espécie de lista negra e ele fica proibido de realizar carga ou descarga no local. Os empresários – contratantes e contratados – mantêm contato e não liberam carga”, denuncia Ione.

Parceiros
A entidade das esposas tem o apoio da União Nacional dos Caminhoneiros (Unicam), cujo presidente, José Araújo da Silva, o “China”, confirma a ocorrência dessas situações. “Além da questão simplesmente de dignidade humana, essas empresas estão descumprindo a lei”, esclarece China.
Ele lembra que a Lei nº 11.442/2007, que dispõe sobre o Transporte Rodoviário de Cargas, prevê no §5º do artigo 11, que o prazo máximo para carga e descarga é de cinco horas. Após isso, as empresas são obrigadas a pagar aos caminhoneiros por hora parada. “As empresas não atendem sequer o prazo limite de estada, imagine o pagamento das horas ultrapassadas. Por isso estamos apoiando a luta das cristais. Porque tem muita coisa errada nesse setor do transporte rodoviário e, deixar pessoas ao relento ou em condições subumanas é mais uma delas”, justifica China, que está se preparando para levar o abaixo-assinado das cristais ao Ministério dos Transportes.

https://folhaderondonianews.com/news/mulheres-de-caminhoneiros-nas-estradas-vitimas-do-desprezo/

Em alguns trechos da rodovia, só é possível passar se for puxado por um trator; o comboio permanece junto, pois, caso algo dê errado, tem sempre alguém para socorrer.
Em alguns trechos da rodovia, só é possível passar se for puxado por um trator; o comboio permanece junto, pois, caso algo dê errado, tem sempre alguém para socorrer.

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