Congresso em Foco – Reunir duas dezenas de senadores não é coisa para qualquer um. Principalmente quando o encontro se realiza numa quarta-feira – dia em geral marcado no Congresso Nacional pelo ritmo frenético de atividades – e conta com a participação de alguns dos mais influentes parlamentares da República. Nesse aspecto, o café da manhã realizado na manhã desta quarta-freira (9) em torno do ex-presidente Lula, na residência oficial do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), poderia ser qualificado como um sucesso.
Embora tenham comparecido ao café da manhã mais de 20 senadores, porém, as ausências foram mais sentidas que as presenças. Para começar, somente sete dos 17 senadores peemedebistas aceitaram o convite para trocar ideias com Lula sobre a conjuntura política e econômica. O fato é relevante por uma razão muito simples: o apoio do PMDB, partido de maior bancada na Câmara e no Senado, é fundamental para dar condições mínimas de governabilidade à presidente Dilma Rousseff. E foi exatamente o PMDB do Senado que evitou que o caldo entornasse de vez pro lado do governo nos últimos meses, diminuindo derrotas impostas na Casa ao lado sob o comando do seu presidente, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Nem mesmo Jader Barbalho (PA) e Sandra Braga (AM), que têm respectivamente um filho e o marido ocupando cargo de ministro, passaram pela QL 12 do Lago Sul, onde fica a residência oficial do presidente do Senado. O líder da bancada, Eunício Oliveira (CE), esteve por lá rapidamente – assim como Romero Jucá (RR). Outro peso pesado da legenda, Valdir Raupp (RO), primeiro vice presidente do partido, não apareceu e alegou compromissos particulares. Mas a ausência de um ex-senador talvez tenha sido a que mais doeu no principal líder petista. Convidado na véspera, o ex-presidente José Sarney, ainda uma figura de grande influência no PMDB e no Senado, era aguardado até o último instante. Mas só falou com Lula por telefone, no final da reunião. Segundo testemunhas, foi uma conversa curta e fria.
Para piorar, Lula enfrentou o constrangimento de não conseguir falar nem por telefone com o vice-presidente da República, Michel Temer, que neste sábado deverá ser reeleito presidente nacional do PMDB. “Ele está viajando, não está podendo atender”, tentava aliviar Renan, procurando diminuir o mal-estar.
No lugar de piadas, tensão
Participantes do café da manhã, que durou perto de três horas, encontraram um Lula bem diferente do político bem-humorado com o qual se acostumaram a conviver. Em vez das habituais piadas, ele exibia tensão e impaciência. Cinco dias após ter sido levado para depor na Operação Lava Jato com uso de força policial, o ex-presidente reiterou que não é proprietário do apartamento no Guarujá e do sítio em Atibaia, ambos brindados com obras de elevado valor feitas por empreiteiras envolvidas em corrupção na Petrobras.
Ao comentar a questão, cometeu uma frase que logo desencadearia uma ruidosa polêmica nas redes sociais, com as costumeiras trocas de ofensas entre lulistas fanáticos e antipetistas raivosos. “Se me prenderem, viro herói. Se me matarem, viro mártir. Se me deixarem vivo, viro presidente de novo”, disse ele.
Também não se sensibilizou com a proposta do senador Roberto Requião (PMDB-PR) de ocupar o cargo de ministro das Relações Exteriores. Descartou categoricamente a possibilidade de se tornar ministro de Dilma, como forma de sair do raio de ação da força-tarefa chefiada em Curitiba pelo juiz federal Sérgio Moro. E, por diversas vezes, mostrou-se impaciente com Dilma.
O ex-presidente afirma que ela não lhe ouve. Foi com essa explicação que tirou a esperança de quem apresentou ideias para uma possível reação do Palácio do Planalto acreditando que Lula poderia encampá-las.
Entre as sugestões, a defesa – endossada por vários senadores – da volta ao governo do ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, visto por alguns como uma opção para o lugar do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa.
O PMDB e o impeachment
Lula chegou à residência oficial do Senado com dois objetivos principais em mente: garantir a permanência do PMDB na base governista e reduzir os riscos do impeachment presidencial.
Como os peemedebistas eram minoria na conversa, a discussão pouco caminhou em relação a essas duas questões. Ao contrário. Parlamentares deixaram a residencia oficial do Senado com a nítida sensação de que o desembarque do PMDB está em pleno andamento e que poderá ser consumado neste sábado (12), com uma curiosa declaração de independência.
O partido poderia se dizer independente do Palácio do Planalto, mas sem entregar os seus seis ministérios. Enquanto isso, nos bastidores, vai ajudando Temer – que assume a presidência, na hipótese de afastamento de Dilma – a montar um governo de coalizão.
Sintomaticamente, Renan e Temer, que andaram às turras até recentemente, se reconciliaram e decidiram compor chapa única para a renovação da Comissão Executiva Nacional do partido. Em vez de enfrentar Temer, como chegou a ameaçar, Renan Calheiros deverá ser eleito o primeiro-vice-presidente da agremiação. Ou seja: se Michel Temer ocupar o lugar de Dilma Rousseff, será ele o presidente nacional do PMDB.
Uso das reservas cambiais
Uma das críticas feitas a Dilma durante o café da manhã partiu de Rose de Freitas (PMDB-ES), presidente da poderosa Comissão Mista de Orçamento. Apoiada pelos demais, ela não se conformava com o erro cometido na escolha do ministro da Justiça, desconhecendo a impossibilidade de nomear membro do Ministério Público para cargo no Executivo, conforme o Supremo reafirmou nesta quarta-feira.
A economia, no entanto, foi o tema predominante durante o encontro. Lula ouviu atentamente vários parlamentares se manifestarem contra o desempenho de Nelson Barbosa, que estaria, segundo eles, repetindo a fracassada estratégia do seu antecessor, Joaquim Levy. O diagnóstico da maioria é que o arrocho fiscal e monetário imposto no segundo mandato de Dilma aprofunda a recessão e o desemprego, agravando as dificuldades políticas.
“O senhor enfrentou o mensalão e depois foi reeleito. A crise moral não abalou seu governo porque a economia estava bem”, afirmou Otto Alencar (PSD-BA), contrastando o cenário de 2005/2006 com o que se vê no país nos últimos dois anos. Inflação e desemprego em alta, junto com recessão e baixa credibilidade, tudo isso temperado pela sucessão de notícias desfavoráveis geradas pela Lava Jato, compõem um cenário insustentável, argumentaram diversos senadores.
Muitos deles defenderam a utilização das reservas cambiais (hoje ao redor de US$ 370 bilhões) e do compulsório dos bancos para financiar empresas a juros módicos e fazer a economia se movimentar. Os recursos poderiam, pela via do fundo soberano, ser destinados tanto à retomada de obras públicas – sobretudo no setor de infraestrutura – quanto à ampliação do crédito para investimentos privados.
Participantes
Participaram da reunião:
Pelo PT, Fátima Bezerra (RN), Gleisi Hoffmann (PR), Humberto Costa (PE), Jorge Viana (AC), José Pimentel (CE), Lindbergh Farias (RJ), Paulo Paim (RS), Paulo Rocha (PA), Regina Sousa (PI); Walter Pinheiro (BA) não compareceu.
Pelo PMDB, Edison Lobão (MA), Eunício Oliveira (CE), João Alberto (MA), Renan Calheiros (AL), Roberto Requião (PR), Romero Jucá (RR) e Rose de Freitas (ES).
E ainda Benedito de Lira (PP-AL), Hélio José (PMB-DF), Otto Alencar (PSD-BA), Telmário Mota (PDT-RR) e Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM).
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