Ji-Paraná dá adeus à ‘dona Portuguesa, que morre aos 83 anos

A história dessa mulher, uma pioneira de Ji-Paraná, é feita de um romance por cartas com um ex-fuzileiro português e se casam por procuração: ele no Brasil e ela em Portugal.

Roberto Gutierrez – Foi sepultada às 10 horas da manhã de hoje 26/01 Edviges Paula Fernandes, a ‘dona Portuguesa da Jitur’, uma personagem icônica da história de Ji-Paraná. Ela era natural de  Cernache do Bonjardim, uma vila portuguesa que pertenceu ao município da Sertã, no velho continente. Ela estava com 83 anos, recém acabava de passar pela sétima sessão ao tratamento de um tumor no estômago. A doença progrediu e, na tarde de ontem, ‘dona Portuguesa, da Jitur, veio a óbito. A matriarca deixa quatro filhos, Ricardo, Vanessa, Paulo e Paula da Jitur, nove netos e três bisnetos.

Romance por cartas

Saindo da adolescência e sonhando com um príncipe encantado como era o comportamento das jovens nascidas nos anos 40, Edvigens passou a se corresponder com um jovem português que havia lutado conflito com a União Indiana por conta dos territórios que Portugal possuía na Índia. O conflito terminou com a invasão de Goa, Damão e Diu, em 1961, e a anexação de Dadrá e Nagar Aveli, em 1954,. Esses detalhes históricos perdem importância, pois, o que nos interessa agora é saber sobre as declarações de amor eterno que eram trocadas entre Edvigens e José Mathias. Aliás, nenhum dos quatro os filhos sabe sobre os detalhes, mas, vamos imaginar num tempo que não havia internet em que uma carta de Portugal ao Brasil poderia demorar até 30 dias para chegar ao destino e outros 30 dias para chegar a resposta. Imagine você dizer que ama alguém e que pretende casar com ela e ter que passar por um deley de pelo menos 60 dias para receber um sim!? Não bastasse isso, os pais, do outro lado do atlântico dizendo: “filha minha não sai de casa sem casar!”

Diante desses obstáculos, quando se está apaixonado, sempre há um jeito: Edvigens e José Mathias se casaram por meio de procuração, algo comum na época, mas, inimaginável nos dias de hoje.

Paraná

De espírito empreendedor como um bom português que veio para o Brasil em meados do século passado, José Mathias Fernandes  encontrou em Assis Chateaubriand, no interior do Paraná, motivos de sobra para começar um negócio. O forte da época era as lavouras de café. José acabou montado uma mercearia e depois uma cerealista. Isso tudo aconteceu nas décadas de 60 e 70. Note que Assis Chateaubriand havia se tornado município em 1966.

Notícia boa

De repente, a notícia de quem em um lugar chamado Rondônia, no Norte do Brasil, o governo Federal estava dando terra e estava em pleno desenvolvimento, animou o casal José e Edvigens fazer as malas, juntar as crianças e rumar para a ‘terra prometida’.

Para  quem já esteve em conflito de guerra, namorou por correspondência e se casou por procuração, Rondônia deveria se parecer como uma colônia de férias, mas, não foi bem assim.

Rumo a Rondônia

Para chegar a Ji-Paraná em 1978, dona Portuguesa e ‘seo’ José Mathias Fernandes passaram por alguns apertos junto com os quatro filhos menores. Um dos apertos, além dos atoleiros, foi de que o motorista que ‘seo’ José havia contratado para dirigir o Mercedes 11-13 azul, o abandonou no meio da viagem. O ex-fuzileiro do exército português não sabia dirigir. Quem socorreu a família em meio à viagem foi Paulo Farias, irmão do Gervásio do Hotel Plaza. Ambos eram moradores de Ji-Paraná.

Ji-Paraná

Enquanto dona portuguesa ficava com os filhos em Ji-Paraná, que recém havia deixado de ser Vila de Rondônia, o marido viajava para trazer verduras, combustível, e até baú com bicicletas para Luiz Bernardi. Dona Portuguesa achou que José Mathias estava viajando demais, ‘deu uma dura nele’ que vendeu o caminhão, cujo dinheiro   acabou virando o supermercado Além-mar na T-07, no segundo Distrito de Ji-Paraná. Isso aconteceu há 46 anos. Essa é a distância de tempo que uma dura perda atingiu a família da dona Portuguesa. José Mathias Fernandes não resistiu a uma gangrena e morre aos 42 anos de idade.

Dona Portuguesa ainda tocou com os filhos pequenos o supermercado Além-mar. Ela acabou vendendo e passou a trabalhar nas Casas Bernadi durante um bom tempo.

Na década de 90, Paula Barbedo, uma das filhas, abriu a agência de viagem Jitur Turismo e dona Portuguesa, sem imaginar, acabou sendo conhecida também como dona Portuguesa da  Jitur. Ela trabalhou na agência por muito tempo até se aposentar.

12 Comentários

  1. Uma amiga, como se fosse da família. Muitos momentos e viagens juntas. Obrigada minha querida Portuguesa, por todos os momentos e gargalhadas juntas. Você continuará sempre em nossos corações. Vá em paz !

  2. Uma história bonita que deixada pela Portuguesa, hoje que fiquei sabendo seu nome. Descanse em paz.

  3. Obrigada por essa matéria linda sobre minha avó. Ela foi uma grande mulher, uma avó mto presente em nossas vidas. A marca registrada dela era a elegância , além de ser mtooo cheirosa e nunca estar sem batom! Mtas saudades agora e mtas lembranças dos momentos vividos, principalmente na nossa infância. Obrigada vó portuguesa por tudo que sempre fez por nós . Obrigada a todos pelo carinho com nossa família, e a vc Roberto por essa linda homenagem !

    • Eu me sinto honrado por produzir este texto cujo conteúdo dignifica a espécie humana: uma remanescente de um tempo cujos valores estão baseados no amor, na dignidade e na generosidade – essência primordial à família. Como disse em outro comentário, a história dos teus avós rendem um magnífico roteiro para o cinema. ❤️

  4. Bela reportagem, repleta de fatos desconhecidos até mesmo de quem a conheceu, o sentimento de admiração sobressai a tristeza de sua partida, que Deus conforte a família!!!

    • Toda partida é marcada pela dor, Clodoaldo. De repente uma música, um aroma de um perfume, o cheiro de uma comida ou uma palavra solta, nos faz lembrar da pessoa amada que se foi. O tempo não nos leva ao esquecimento, mas, aos espasmos da lembrança. eles nos traz a saudade boa e os ensinamentos de quem partiu. Portanto, a dor da perda é substituída por algo bom.

    • Queria eu ter mais informação para poder contar muito mais sobre esta grande mulher que nos deixa. Obrigado Geancarlo.

    • Obrigado a você também, Ana Lúcia, por ter lido este material cuja história daria um belo roteiro para cinema.

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