“O valor do valor”
Por Carlos Macena – Em 1980, pra ser jornalista tinha que ter “diproma”. Audálio Dantas lotava o auditório do sindicato defendendo Kerenski. Ara… Exigia-se de Mônica Teixeira, dez anos de reportagem na Globo, cobrava-se de Ernesto Varela, monstro barbudo, bonitão magrão altão, craque da Nikon F2 com motordrive, aguentar Álvaro Moya, Solange Couceiro, Luiz Augusto Milanesi, Teixeira Coelho, Zé Marmelo, Squirra, Gisela Svetlana Ostriwano, Alice Kojiyama, José Coelho Sobrinho, os quatro anos, veiote, os quatro anos de frequência para obter o MTb, como o meu 22.323/SP.
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Tinha nada com isso, vim saber depois, como vocês agora. Mas a luta política pela quebra da exigência do canudo universitário para o exercício legal e não-pentelhável da profissão era um calvário para quem já era escolado e um tesão de enigma para nós, cabaços.
“Ora, vai que resolvem que qualquer cafuçu, mameluco, potiguar, até argentino disfarçado de gaúcho pode ser repórter, pauteiro, editor da Veja, Época, IstoÉ, Senhor, Vogue, Claudia, Quatro Rodas, Contigo, Semanário, SomTrês, JB, Folha, Zero Hora, Correio Braziliense, O Liberal, correspondente do “Financial Times” ou da “Der Spiegel” sem obrigatoriamente arrancar da burocracia o diploma, vou passar quatro anos aqui fazendo exatamente o quê?”
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Passadas essas mil e quatro semanas, parece uma discussão castiça, bisonha. Mas Audálio tinha razão: hoje, o piso do jornalista nem alcança a laje do pedreiro. Mas, pra quem tinha quinze anos, meu chapa, eram garotas lindas demais. O diploma era algo entre um pergaminho ptolomaico e um salvo-conduto de Ataturk – jamais pegaríamos ninguém, com ou sem a bula jamegada.
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Daí que ela bateu o Chevette em frente à Reitoria Velha, com um Duvalier 7/8 à míngua da devida atenção. Entre a Praça do Relógio e o bandejão, destino inescapável da fome cearense, ouvi:
– Carlinhos, me ajuda…
Jisuis Bhaktivedãnta Madiba. Entidades de folga naquele dia. Cinturão de Van Diemen. Cavalheirismo inato do meu pai, a quimera que me sorria, tudo conspirou, e compareci.
Namoro, não, mas beijos… Leves, logo afoitos, um suspiro e uma jogada de cabelinhos, e de novo lábios, bochechas, palatos, conjuntivos em geral escancarados feito vertedouro de Furnas. Cronometrei o atracar, chuto, entre duas e quinze e quatro e quarenta, um olho na gata e o outro também. Nem um segundo esquecido.
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– Carlinhos, acho tão legal (hoje sei donde emana a umidade do “legal”), você tão novinho ficar falando sobre as leis da dialética, vou dar uma festa lá em casa na Praça Panamericana, não chega tarde nem louco demais. Herdeira dum império imobiliário, achei que tava me tirando de flanelinha. Com o tempo, se tira a poeira dos olhos.
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Pra quem acompanha o caravançarái do Raimundo Sheridan aqui, neste E9:S1, o evoluir da quimera barroca aos fatos “duvalierianos” e suas deliciosas inconsequências, resumo assim: bastaram três meses, da Asa Sul pra pensão na Vila Mariana, pra que ela barrasse a Zizi.
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Absurdo de “air-bags” baloiçantes, sorriso de cometa, a gente dançando “Rapper´s Delight”, “KC & The Sunshine Band”, “Cheryl Lynn”, “Evelyn ‘Champagne’ King” – antes de o Paulo trazer da Bélgica uma TDK com o primeiro Sting, enfim, no entremeio, o proto-romance se transfigurou.
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– Carlinhos, acho que vou te deixar aqui.
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Pouha, ela tinha outro tesão, noutro Carlos, também branquelo, oclinho-lho, tava na captura do Mefisto. Achou e nem hesitou, me dispensou grandão, dez da noite, em plena Haddock Lobo, “tiau, valeu…”. Pior:
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Semanas depois – o tesão sempre vence o cinismo -, fomos pra Maresias. Atrás, Ari & Marlene in love, na frente Zebedeu pasmo, dirigia melhor que eu, “the supposed child of mine”, descoladérrima, canga de Oahu…
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Tomei outro contravapor, pedagógico, incontrastável. Largou a chave do carro comigo, achou de novo o secretário de Fausto lá da noite na H. L., montou na garupa do meu antípoda terráqueo e se pirulitou na garupa da TT 125. Dela, que tinha emprestado pra ele descer. Huahuawei…
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Perdi o rasto da zefa, desencanei com o infortúnio, corintiano que sou, entre Baraqueçaba e Boraceia. Silêncio sepulcral na subida da Anchieta. Casal paranormal Ari & Marlene solidariamente mudos, milênios depois passaram em Brasília e, risonhos como só a alegria da juventude pode encorajar, encararam D. Tereza: “O seu filho é o cara mais louco e legal que a gente conheceu na ECA. Estamos indo pro Maranhão”.
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Passou a eleição, Erundina jantou Baluf, eis que em 1984 ela me aparece em Porto Velho. Tinha brigado com meus colegas do trampo, morava num sub-proletariat-mocó, não pude então, como faço agora, apresentar a megagata master from SP que cruzou o paralelo 22 na captura do cearense, para enfim rolar.
*Carlos Pedro Macena é de Brasília (DF), 61 anos, graduado em Jornalismo pela USP/1989. Ex-Diretor da Afiliada Globo m Vilhena, ex-repórter de Política da “Folha de Rondônia”, Chefe de Reportagem do “Diário da Amazônia”, Assessor de Imprensa do Detran-RO. Trabalhou na Editora Abril, no Grupo Folhas e 11 anos no Banco do Brasil. Atualmente, só pesca e mente.
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