Roberto Gutierrez – O texto, com o tom de registro histórico, é do meu amigo Amadeu Guilherme Matzenbacher Machado (foto) no qual ele narra com humor, informação, texto impecável e as entrelinhas da poesia sobre os bastidores que levaram à emancipação de cinco cidades de Rondônia: Ariquemes, Ji-Paraná, Cacoal, Pimenta Bueno e Vilhena. Esse material foi sugerido a meu pedido quando essas cidades completavam 29 anos, época em que eu era editor da Folha de Rondônia – jornal impresso que virou saudade. Bem-humorado, Amadeu Machado se revela um apaixonado por esse pedaço de Brasil que lhe deu todas as oportunidades, amores, amigos e conquistas e o papel coadjuvante de participar de todos os momentos históricos desde de a década de 70 quando advogado do Incra recém-formado chagava ao território. Amadeu é o tipo do ser humano que a gente tem orgulho de dizer que o conheceu, pois sempre tem algo a nos ensinar. Conheça agora, em primeira mão, como foram os detalhes que o povo não viu dos momentos que antecederam e levaram à emaciação de cidades tão maravilhosas de Rondônia quando só havia Porto Velho e Guajará-Mirim de municípios. Esse texto foi produzido há 11 anos.
Narrativa de Amadeu Machado – El Padrino!!
Recentemente, li várias matérias em nossos jornais, sobre aniversários de Municípios. Fiquei assustado com o tempo que passou e a velocidade dessas quatro décadas.
Ariquemes, Ji-Paraná, Cacoal, Pimenta Bueno e Vilhena festejaram 40 anos de emancipação.
Tudo começou em 11 de outubro de 1977. O Congresso Nacional aprovou e o Presidente da República sancionou a lei 6.448.
Esse diploma legal se constituiu na lei orgânica dos Municípios dos Territórios Federais, em substituição ao Decreto Lei 411, de 1969. Além de dispor sobre a organização de todos os municípios localizados em Territórios Federais, a mesma lei, em caráter excepcional, criou, no Território Federal de Rondônia, os Municípios de Ariquemes, Ji-Paraná, Cacoal, Pimenta Bueno e Vilhena.
Na época eu era Diretor do Departamento Jurídico do Município de Porto Velho, e por tal razão fui convocado para uma reunião com o Governador Humberto da Silva Guedes.
Também foram chamados o diretor do Departamento de Administração da Prefeitura, Francisco José Coimbra Erse, o inesquecível Chiquilito, a jornalista Jussara Gottlieb e o também jornalista e radialista Jorge Sarrafe Santos. Os dois últimos operavam junto ao Governo do Território e eram pessoas de destaque na comunicação social do governo territorial.
A reunião teve por objetivo discutir aspectos jurídicos, administrativos e operacionais para a instalação dos Municípios que haviam sido criados.
Diversos assuntos foram debatidos e, ao final, o Governador Guedes determinou a elaboração de uma Portaria, através da qual nos designou para que adotássemos as providências necessárias de forma que ocorressem, com a maior brevidade, as cerimônias de instalação dos novos municípios.
Nosso trabalho preliminar foi aprovado e passamos a sua materialização.
Fizemos contato com as administrações dos distritos, que passariam a municípios; delegamos ações a serem desenvolvidas e marcamos um calendário para os eventos públicos e solenes, nos quais eram figuras de capital importância o próprio Governador e o Juiz de Direito da Comarca de Porto Velho, já que deste Município se desmembrariam os recém criados.
Nós da Comissão de Instalação marcamos os dias em que cada distrito seria transformado numa nova unidade autônoma.
E assim foi dada a partida. Pouco antes, vale lembrar, em contato com o Cel. Guedes, ele me solicitou que providenciasse cinco livros, para neles lavrarmos as atas de instalação, uma formalidade não prevista na lei, mas que o senso de organização do Governador intuiu ser necessário.
E passei a ser o secretário da sessão solene, encarregado de elaborar as tais atas.
Saí desesperado pelo comércio à procura de alguma coisa parecida com um livro de atas. O melhor que consegui foram cadernos de capa dura, batizados, então, cada um como livro da ata instalação de tal Município. Como tudo estava em cima da hora, não havia tempo para a aquisição dos mesmos através da burocracia estatal, razão pela qual acabei pagando do meu bolso.
No dia marcado iniciamos nossa viagem pela BR-364. Já era novembro e começava a chover, fazendo com que antevíssemos as dificuldades que ocorreriam com os habituais atoleiros da rodovia, que não tinha um palmo de asfalto de Porto Velho a Cuiabá.
Nosso planejamento nos dava uma margem ora de um , ora de dois dias para que chegássemos às localidades e adotássemos os procedimentos finais, sendo que a comitiva governamental ao chegar já encontrava tudo pronto para a realização da solenidade.
Chiquilito já mostrava ser um excelente administrador e tomava as rédeas das ações a serem desenvolvidas.
Jussara a Jorge eram os “experts” em comunicação social e tratavam de dar as tintas finais ao evento, no sentido de envolver a população, para que a maior quantidade possível de pessoas comparecesse à solenidade.
Também faziam a sua parte com extrema competência e simpatia.
Na última hora juntou-se a nós o Abelardo Townes de Castro, que, se bem me lembro, era o Presidente da Câmara de Vereadores de Porto Velho.
Se transformou num belo parceiro, pelo seu desembaraço e pela alegria contagiante.
Nossa primeira parada foi Ariquemes. Estava tudo bem organizado pelo pessoal da administração distrital, que tinha à frente o Professor Pedro Batalha.
No dia marcado, 21 de novembro de 1977, lá estávamos num palanque armado em praça pública e começam a chegar as autoridades. Havia muita gente na praça, e de nossa parte o permanente receio da chuva.
Tudo transcorreu dentro da maior tranqüilidade. Nenhum sobressalto, nenhuma necessidade de improvisação.
O momento lírico ficou por conta do Professor Batalha que, exonerado do cargo de administrador distrital, foi nomeado e empossado Prefeito de Ariquemes e em seu discurso pediu licença para recitar uma poesia de sua autoria, na qual reverenciava aquela cidade, a quem, numa certa estrofe, denominou “A Princesinha da Br-364”.
Todos muito emocionados, inclusive o sisudo, mas afável Governador Humberto Guedes.
Quem estava em estado de graça era o Juiz de Direito, peça chave e insubstituível para dar legitimidade ao ato. Era o Doutor José Clemenceau Pedrosa Maia (por ser sobrenome francês se pronuncia Clemanssô).
Mais tarde ele viria a ser Desembargador na primeira composição do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia.
Aí vinha a parte ruim do nosso trabalho, porque uma vez encerrada a cerimônia, seguia-se alguma festividade, um churrasco, uma cerveja bem gelada, uma boa prosa. Era ruim porque nós da Comissão tínhamos que ir embora, para a próxima cidade que estava agendada.
Ariquemes ficou para trás e rumamos para Ji-Paraná, que até então se chamava Vila de Rondônia.
Lá os preparativos que havíamos indicado estavam todos cumpridos e com algum requinte.
O administrador da Vila de Rondônia era o Walter Bártolo, homem de ação e desenvoltura, que sempre dava conta do riscado, afora ser pessoa cativante e extremamente prestativa.
Assim como em Ariquemes, o administrador distrital, no decorrer da cerimônia, foi exonerado e imediatamente nomeado e empossado prefeito do Município.
Walter Bártolo não cabia em si de contentamento. Com justa razão estava transbordando orgulho e felicidade.
Como o município seguinte seria Vilhena e a distância a ser percorrida era muito grande (não esquecer as condições da estrada), o Coronel Guedes, que estava muito satisfeito com o nosso trabalho, resolveu nos dar um refresco. Autorizou que no dia seguinte, bem cedo, um avião nos levasse para aquela cidade, o que nos permitiu o luxo de participarmos de um lindo baile que foi realizado no salão do Clube Vera Cruz.
O ambiente estava muito bonito, com participação intensa de toda a sociedade local. O baile foi aberto com o Walter Bártolo dançando uma valsa com a mãe dele, a veneranda Dona Labibe.
Não pudemos aproveitar como gostaríamos porque tínhamos o dia seguinte cheio, mas enquanto conversávamos com amigos e tomávamos uma gelada, pensávamos no nosso motorista que enfrentava a BR, já que o carro deveria estar a nossa disposição no dia seguinte em Vilhena. E assim encerrou-se o dia 22 de novembro de 1977.
Pegamos o teco-teco ao clarear do dia e enquanto ele jogava de um lado para o outro, por causa do tempo, sentíamos todos, com redobrado rigor, as consequências da bela festa de Ji-Paraná.
Aeroporto de Vilhena. Lá estava nosso bravo motorista, exausto de tanto barro e pó que alternou na estrada durante a noite, mas firme e forte nos aguardando.
De pronto tratamos de conferir se todas as providências haviam sido tomadas. O Administrador de Vilhena, que se transformou em Prefeito, Renato Coutinho, era homem muito organizado e empreendedor. Tudo estava na mais perfeita ordem, nos deixando absolutamente tranqüilos.
Chegada a comitiva governamental, reunido o povo em praça pública, são realizados os atos de instalação do Município, seguindo-se uma grande churrascada no CTG (Centro de Tradições Gaúchas), que já era uma referência naquela cidade do sul, onde era dominante o migrante oriundo do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, embora se encontrasse, também, pessoal de outros estados.
Para nós estava encerrado o dia 23 de novembro. Vilhena era mais um Município do Território Federal de Rondônia.
Nós, da comitiva precursora, tínhamos que rumar para Pimenta Bueno onde o administrador já nos aguardava com muita ansiedade.
Vicente Homem Sobrinho era o nome dele. Mineiro, maneiro, matreiro, não queria que nada saísse errado. Era para ele um momento de glória, que ele disfarçava sob um manto de aparente indiferença, já que ele era muito contido e ponderado. Apenas, permanentemente com o seu cigarro a fumegar ele acompanhava a nossa movimentação, fazia alguma observação, e os olhos dele brilhavam. Eventualmente, diante de alguma presepada nossa, principalmente do Abelardo, Vicente Homem se permitia uma risada mais solta.
Nosso hotel, eu acho que Céu, ou Céus de Rondônia, na margem da rodovia, era um casarão de madeira, coberto com brasilit, quente como uma fornalha e a cidade sofrendo, como sofreu durante muito tempo, com falta de energia elétrica. Aí tudo virava um inferno, que se transformava em paraíso na hora em que íamos bater um papo com o Velho Balateiro, que nos aguardava no bar Amarelinho, que sempre tinha um frango frito e uma cerveja geladíssima. Não sei até hoje como ele conseguia aquilo.
Dia seguinte tudo pronto, começam a chegar as autoridades. O campo de aviação de Pimenta Bueno era complicado. Numa ponta a mata alta lambia a pista, na outra uma construção de um pequeno hospital fazia com que os pilotos tirassem rasantes do telhado, tanto para aterrissar, como para decolar, já que a pista era muito curta. Mas todos os usuários daquele aeródromo já estavam acostumados com aquilo.
Mais uma vez a solenidade transcorreu sem qualquer percalço, para nossa alegria e, enquanto a população e autoridades iam festejar, lá fomos nós para a última etapa do nosso trabalho, deixando para trás o dia 24 de novembro, mais um Município instalado, e um Mineiro em êxtase, o agora Prefeito Vicente Homem.
Em Cacoal tivemos um pouco de trabalho, já que uma série de providências ainda estavam am andamento. O palanque não estava pronto e não havia decoração nenhuma. Jussara e Jorge trataram de impor maior divulgação ao evento, Chiquilito ajustava as questões burocrático/administrativas e eu estava no Hotel De Colores (o velho) jogando sinuca com o Abelardo, quando me chamam ao telefone. Era o Governador. Pediu-me ele que verificasse se o “Seu Catarino”, que era o Administrador e seria empossado Prefeito, já havia preparado o seu discurso. Caso não tivesse feito, que eu o ajudasse.
Saí a procura do “Seu Catarino”. Encontrei-o pegando no pesado, como se um peão fosse, pois queria ver tudo muito arrumado para o dia seguinte.
Chamei-o a um canto e lhe perguntei sobre o discurso que ele havia preparado, ao que ele me respondeu que iria falar de “emproviso”.
Ponderei, então, que o Coronel Guedes havia solicitado que o discurso fosse preparado, ao tempo em que me coloquei à disposição dele para auxiliá-lo.
Homem simples e de poucas letras, mas sério e compenetrado, “Seu Catarino” humildemente aceitou, tanto fazer o laudatório, como a ajuda que eu lhe ofereci.
Agarrei-me com uma velha máquina Olivetti, Lexikon 80, que devia pesar uns dez quilos, coloquei o papel e perguntei ao bom Catarino. O que o Senhor gostaria de dizer amanhã?
Ah Dotor, eu preciso dizer que nóis num tem estrada, nóis num tem escola, nóis num tem hospital, nóis num tem condução; nóis só tem os braço e muita vontade prá trabalhar.
Comovente a sinceridade. Chegou a dar vontade de descumprir a ordem do Governador e deixar aquele homem simples, com a sinceridade dos bem intencionados abrir o seu coração. Falar o que lhe vinha da alma. Mas, o problema é que já estava havendo uma intrigazinha política entre o Governador e o Odacir Soares, e qualquer deslize poderia alimentar a crise.
Odacir estava vindo de Ji-Paraná no dia seguinte, e anunciava que com ele viria o presidente nacional da ARENA (Aliança Renovadora Nacional), partido que dava sustentação ao regime militar de então, e que chegou a ser chamado de “o maior partido do Ocidente”. O homem cuja presença se anunciava era o Senador Petrônio Portela.
Vi-me, então, no dever de induzir o “Seu Catarino” a um outro tipo de agir e falar. Naquele dia não seria próprio (olhem que cretinice) discorrer sobre as agruras e as necessidades. Naquele momento de instalação do Município de Cacoal deveria ser reverenciado o ato em si, o significado dele e o esforço daquela comunidade para, tão rapidamente, chegar àquela situação, já que no princípio da década Cacoal não passava de um amontoado de barracas. Um acampamento bem precário e, 7 anos depois já seria alçado à condição de Município. Sem dúvida que era um feito.
“Seu Catarino” deu-me autonomia para redigir e lá me fui a escrever. Espaço cinco na máquina e tudo em caixa alta para facilitar a leitura do homem, que, como já dito, tratava as letras de “Vossa Excelência”.
Na saudação às autoridades surgiu meu primeiro problema. O nome do Juiz de Direito. Ora, se eu escrevesse corretamente, Clemenceau, ele daria um nó na língua e aquilo não sairia. Resolvi simplificar e escrevi como se fala, ou seja, saiu Clemanssô. Isto mesmo, com chapeuzinho no “o”.
O outro problema é que não era garantido que viria Petrônio Portela, assim eu escrevi o nome dele, mas alertei o “Seu Catarino” que caso não fosse o próprio, que ele saudasse quem estivesse na mesa, dizendo-o representante do Senador e do partido.
Depois, com relação ao texto a coisa fluiu com mais naturalidade. Eu conhecia bem Cacoal, assim como as demais cidades, porque já trabalhara no INCRA e aquela Autarquia estava presente em todas aquelas localidades e, diga-se de passagem, era a grande responsável pelo fenômeno que estava acontecendo.
Concluído o texto, passamos para a fase seguinte. O ensaio.
Lembrei do causo do gaúcho que era músico de ouvido e não sabia ler, Mas como ele tocava em muita festa, era sanfoneiro renomado, alguns outros invejosos o denunciaram na ordem dos músicos, de quem ele não tinha licença para tocar o instrumento profissionalmente. A ordem, zelosamente (sei lá, pode ser…) convocou o gauchão e o submeteu a testes, obrigando-o a escrever algumas coisas, ler outras e, principalmente, executar uma música lendo partitura. Resultado, o gaúcho, que era um baita músico, foi reprovado e ficou sem licença para tocar nos fandangos da vida. Aí perguntaram a ele o que tinha acontecido e ele se saiu com emblemática frase: “ pois é tchê, as letras eu conheço todas, mas fica muito difícil na hora que elas vem acolheradas, quanto a tal de partitura, confesso que não entendi nada quando olhei aquela figura que parecia uma cerca de arame com um monte de passarinho pendurado”.
Pois é, o “Seu Catarino” também não era muito manso para acolherar (unir, juntar) as letras. E varamos a noite com ele balbuciando e tropeçando nas intrincadas palavras. Eu ajudava o tempo todo e estava odiando aquela missão. Ao mesmo tempo era angustiante perceber o esforço que aquele homem fazia para ler aquelas duas ou três folhas que eu havia escrito.
Já ia alto a noite quando achamos que estava muito bom e ambos, com os olhos vermelhos de sono, nos recolhemos para o merecido descanso. Ao chegar no hotel encontrei com a minha turma fazendo a maior festa e a Jussara era a “super star”; Chiquilito tirava ritmo e qualquer coisa e o Jorge soltava a voz, tirando músicas do fundo do baú. Abelardo divertia a todos e a cerveja, meio morna, estava uma delícia.
Alguns goles e o cansaço tomou conta de todos. Dali a pouco nós estaríamos encerrando uma missão histórica.
Logo pela manhã tudo preparado, chega o Governador e seu séqüito de um lado, vinham de Pimenta Bueno, e quando já começavam a ocupar os espaços na mesa, chega um comboio de caminhonetes e um ou dois ônibus lotados. Era a turma do Odacir Soares, que chegava de Ji-Paraná.
Petrônio Portela não veio. Em seu lugar estava o Deputado Federal Prisco Viana, Secretário Geral da ARENA.
Assim que soube corri a informar o “Seu Catarino”. Olha o nome do homem é Prisco Viana, certo? Com um sorriso ele assentiu.
Iniciada a cerimônia estava o Governador Guedes no meio da mesa diretora dos trabalhos, de um lado o “Seu Catarino” e do outro o Deputado baiano, com seu imenso bigode.
Chegou a hora do ex-Administrador e agora Prefeito empossado, Catarino Cardoso Alves, fazer o seu pronunciamento. Eu estava gelado, apesar do imenso calor que fazia. Lembro do povo, muita gente mesmo, naquela praça, onde se via uma enorme quantidade de sombrinhas e guarda-chuvas abertos, como forma de amenizar o sol escaldante.
O Prefeito Catarino, além das dificuldades já identificadas, pra complicar mais um pouco, estava muito emocionado.
E deu-se início ao suplício. Ele saudou o governador, o Doutor Clemanssô e começou a falar Petro…, lembrou-se que não era ele, tirou os olhos do papel e apontou o dedo na direção do deputado federal, tirando um fino do nariz do governador, que tomou um tremendo susto, e no microfone lascou : como é seu nome mesmo?
Mais uns quinze minutos de sofrimento e tudo acabou-se em festa. Havia a expectativa de que a turma do Odacir pudesse aprontar alguma coisa para o Governador, mas absolutamente nada aconteceu.
Depois, bem, depois a imprensa que se fez presente, tratou de pegar o discurso do “Seu Catarino” e lembro que o Lúcio Albuquerque ao lê-lo de imediato perguntou quem tinha escrito aquelas barbaridades ortográficas, já que a exemplo de Clemanssô, muitas outras palavras eu escrevera como deveriam ser pronunciadas.
Ao saber que eu era o autor, um tremendo e mordaz crítico que sempre foi, o Lúcio mandou ver, dizendo que eu era um analfabeto, burro, que não sabia nada da língua portuguesa.
Se não me falha a memória o Ciro Pinheiro também estava por lá e teria sido ele quem me procurou com natural curiosidade para saber o que havia acontecido. Dadas as explicações, tudo esclarecido, ouvi o Governador me dizer, em humilde penitência, “antes tivesse deixado ele falar de “emproviso”. Isto tudo no dia 26 de novembro de 1977.
Daí para a frente foi festa e o alegre retorno para casa.
Vinte e nove anos se passaram e eu fico olhando a cada ano que passa surgem novos protagonistas para as respectivas festas. Cada Município desenvolve movimentada programação.
Ano que vem eles se transformam em balzaquianas cidades, serão trintonas, mais maduras, mais sábias, quem sabe não seria o momento de reverenciarem as pessoas que ao longo do tempo vêm sendo sistematicamente esquecidas.
Saibam as autoridades de hoje que quando aqui quase todos chegaram, já havia muito barro amassado pelos que os antecederam. Gente que deu um duro danado, que enfrentou as maiores privações, todos movidos por um ideal de fazer a grandeza desta região e que não deveriam ser esquecidas jamais.
Eu gostaria muito de ver placas homenageando o INCRA, mas o INCRA do Capitão Sílvio, do Assis Canuto, do Amir Lando, do Luiz Melo, do Paulo Brandão e tantos outros. Penso que o Governador Humberto Guedes devia ser lembrado e honrado, porque na gestão dele foram criadas as condições para a instalação desses municípios e, logo adiante do próprio Estado.
Eu gostaria muito de manusear os caderninhos que batizei “livro de atas”, os quais foram deixados nas respectivas prefeituras ao término de cada solenidade. Ali estão as assinaturas de todos os que diretamente participaram da efeméride que todos os anos é comemorada, mas que jamais lembra de quem com eles deixou um pedaço de sua vida e um naquinho do seu coração.
Vamos ver se as balzaquianas Ariquemes, Ji-Paraná, Vilhena, Pimenta Bueno e Cacoal, em função da idade mais centradas, mais racionais, mais gratas, ao completarem seus trinta anos de vida se tornam mais justas e reconhecidas com seu passado ainda tão recente e já tão esvaziado.
O Coronel Humberto Guedes ainda está vivo e, acredito, ele ficaria encantado se o convidassem para repetir o périplo de trinta anos atrás.
O Desembargador “Clemanssô” aposentou-se já tem um tempo, mas, com certeza, para um acontecimento desse jaez, se abalaria lá do Recife, onde mora, e aqui viria para compartilhar desses momentos com imensa alegria.
Eu, só queria ver, uma única vez, os meus caderninhos de ata.
Pedro Batalha, Renato Coutinho, Vicente Homem e o “Seu Catarino” já partiram, assim como o Jorge Santos e o Chiquilito.
A Jussara continua aí, mas muito esquecida e magoada por conta disso.
Este ano eu vi Ji-Paraná homenagear, com muita justiça, o velho amigo Wáter Bártolo. Que bom para ele!
Fico pensando que seria o padrinho e os afilhados nunca se lembraram de me convidar para os seus aniversários, mas isto é coisa da minha sessentona e emotiva cabeça.
Todavia, seria interessante que os mentores de cada uma dessas cidades, levassem em conta o ensinamento de Eduardo Prado que diz:
“Os povos representantes de grandes civilizações são povos veneradores dos antepassados e respeitadores dos seus usos. Certamente o homem deve viver no seu tempo, mas a tendência para a contemplação do passado é um dom nobilíssimo da sua alma”.
Como muito poucos, por conta das avalanches do dia-a-dia, podem se dar ao luxo de dar uma espiada no passado, lá vamos nós todos para os terríveis arquivos mortos.
Azar o meu.
Amadeu Guilherme Matzenbacher Machado
MORO EM VILHENA E ERA DONA DO HOTEL MIRAGE.LEMBRO SEMPRE DA ESPOSA DO GOVERNADOR GUEDES QUE FUNDOU O CSU E TROUXE CURSOS PARA VILHENA.TENHO SAUDADE E RECORDAÇÕES MARAVILHOSAS DAQUELA ÉPOCA.OBRIGADA AMEI A MATÉRIA.ABRAÇO
De fato tudo que o Dr Amadeu escreveu é muito importante e deveria ser editado em um pequeno livro e distribuído nas escolas de todo o Estado pois são dados e memórias importantes em e para a nossa história. Aqui, após 1970 que é o ano basilar na divisão de nossa vida sócio econômica, tudo aconteceu muito rápido e esse ” acervo” histórico não é conhecido e não é divulgado; e muitos ” falsos profetas” andam escrevendo asneiras sem conhecimento e sem pesquisar nas verdadeiras fontes de quem fez e que pode lançar ” luzes” sobre a nossa história, que diga-se de passagem é muito bonita!