Em entrevista a emissoras de rádio, no interior do estado, nesta semana, o presidente da assembleia legislativa, deputado estadual Laerte Gomes (PSDB), criticou a atuação e autuações promovidas pelo Detran/RO, que punem mais do que propriamente educa.
Segundo o deputado, “a educação de trânsito deveria ser uma das principais atividades do órgão”.
A fala do deputado vem num momento em que o principal programa de educação do órgão, o Anjos do Trânsito”, sofre grave ameaça de extinção.
Entenda.
O Detran-RO tem alto índice de arrecadação e não pode ter lucratividade.
Por lei, é obrigado também a investir em ações e projetos de educação para o trânsito, objetivando redução de acidentes e mortes no trânsito.
Há mais de 17 anos, o órgão investia um volumoso recurso orçamentário, principalmente no projeto social Anjos do Trânsito, beneficiando anualmente milhares de alunos do ensino médio das escolas estaduais de Rondônia que não tem condições financeiras de custearem os altos valores para tirar a Primeira CNH em uma autoescola.
Neste projeto, alunos tinham a oportunidade de aprender, gratuitamente, toda parte teórica na própria escola, através de equipes técnicas multidisciplinares.
Eles recebiam uniformes, alimentação e material didático. Tudo custeado pelo Detran-RO, com apoio da Secretaria de Estado da Educação (SEDUC), através de convênio.
Os alunos carentes, em idade apropriada, ao concluírem o curso na escola, recebiam do Detran-RO e da Seduc, a certificação de conclusão, faziam a prova teórica do Detran e, para concluírem o restante do processo e, somente pagavam as aulas práticas veiculares nas autoescolas, ficando muito viável financeiramente para os menos providos de recursos.
Criado em 2002, na gestão do então governador Ivo Cassol, o objetivo do projeto era preparar gratuitamente os jovens futuros condutores, com o dobro da carga horaria de uma autoescola, com foco principal em cidadania, respeito a legislação e maior conscientização no trânsito.
Mas, desde que a nova gestão tomou posse no órgão estadual de trânsito, no início de 2019, nenhuma nova turma foi formada e, o pior, quem já havia concluído o curso não recebeu certificado.
Alunos do curso denunciam que a diretora adjunta do Detran-RO, Benedita Oliveira, está retendo os certificados, para que os estudantes, que já estavam aptos a realizarem as aulas práticas para obter a CNH, tivessem que refazer toda a parte teórica numa autoescola e pagar por isso.
O motivo, confirmam servidores do órgão, revoltados com isso, seria o fato de que, além de ter autoescolas em seu nome e/ou de familiares, Benedita é membra da diretoria da associação das autoescolas do estado de Rondônia e, esse projeto gratuito prejudicaria tanto os negócios da adjunta, quanto dos seus associados.
Logo, em vez de cuidar dos interesses do Detran e da população, Benedita estaria defendendo apenas sua categoria.
“Eles estão há praticamente um ano nos enrolando com isso”, desabafou a mãe da aluna Auriane Fernanda, hoje com 19 anos.
Auricléia dos santos Cunha é mãe de uma das alunas do curso Anjos do Trânsito de 2018, Auriane Fernanda, que chegou a pegar o certificado, mas não conseguiu validar as horas/aula, para o processo de habilitação.
A denúncia aponta que, todos que fizeram o curso no segundo semestre de 2018, está passando pela mesma dificuldade.
“A minha filha fez o curso de três meses, e eles disseram que minha filha terá de fazer o curso novamente”, disse Auricléia, indignada.
“É uma palhaçada o que fizeram. É uma falta de respeito com o cidadão. Inclusive já fui chamada na Assembleia Legislativa e no Ministério público, e ficam me jogando de um lado pro outro. Estou decepcionada, não apenas com o que fizeram com minha filha, como também com outros alunos”, exclamou, desiludida.
Ao encerrar a entrevista concedida, por telefone, à nossa reportagem, Auricléia desabafou, contando que a filha, que é acadêmica, está tendo de ir para a faculdade de bicicleta, mesmo tendo veículo, por que não conseguiu avançar no processo de habilitação no Detran-RO, justamente por conta desse impasse.
“Ela já sofreu dois acidentes no percurso para a faculdade”, revelou, preocupada a mãe de Auriane Fernanda.
Outra pessoa que fez o curso, mas que enfrenta os mesmos problemas é o Guilherme William Duarte Campos.
Ele fez o curso do projeto “Anjos do Trânsito” no final de 2018 e, até hoje não conseguiu pegar o certificado de conclusão das 90 horas/aula.
“Me disseram que não poderiam me dar mais (o certificado), pois havia mudado a secretaria e a mulher que está lá, na presidência, não quer liberar os certificados para quem concluiu o curso”, afirmou o estudante.
A mulher citada por ele é, na verdade, a ex-empresária do setor de autoescolas, hoje, diretora-adjunta do Detran, Benedita Oliveira.
As empresas dela, credenciadas ao Detran-RO, foram transferidas para familiares, ao longo do primeiro semestre desse ano. Outras empresas ainda permanecem em sua titularidade.
O conflito de interesses entre as atividades privadas de Benedita e a atuação dela no Detran-RO, tem motivado várias denúncias ao Ministério Público de Rondônia, por representar grave afronta aos interesses públicos, além ferir o princípio da impessoalidade, intrínseca à função pública.
Tudo isso tem prejudicado pessoas como o Guilherme, que é empregado como aprendiz e, precisa fazer a CNH para avançar na carreira. Como ganha pouco no atual emprego, seus recursos não seriam suficientes para pagar integralmente o curso na autoescola.
A sabotagem ao “Anjos do Trânsito”, configura-se, nesse contexto, como uma medida covarde e cruel, pois o projeto beneficiava exatamente as famílias carentes, que são incapazes de custear todo o processo de habilitação e, vai no rumo contrário aos projetos do governador Marcos Rocha (PSL), que, em tese, visa priorizar a educação de trânsito.
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