Ex-aliado diz que senador recebeu antes informações sobre investigação de assessor suspeito da prática de rachadinha.
Juliana Dal Piva e Bela Megale
19/05/2020 – 04:30 / Atualizado em 19/05/2020 – 07:39
RIO — A Polícia Federal vai ouvir os delegados e policiais que participaram das investigações da operação “Furna da Onça” no procedimento instaurado pelo órgão para apurar se houve vazamentos envolvendo o inquérito. O novo procedimento, conduzido pela Corregedoria, foi aberto para apurar as denúncias feitas pelo empresário Paulo Marinho de que o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, foi informado da operação cerca de um mês antes de sua deflagração. Entre os que serão ouvidos está a delegada Xênia Soares, presidente do inquérito na PF, e os policiais que trabalharam na investigação.
Em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, Marinho disse que assessores de Flávio foram procurados por um delegado da PF que pediu um encontro no qual comunicou a existência da operação e que ela iria “alcançar algumas pessoas do gabinete do Flávio. Uma delas é o (Fabrício) Queiroz e a outra é a filha do Queiroz (Nathália)”. Marinho disse que ouviu o relato de Flávio que não identificou quem seria o delegado que comunicou as informações para o filho do presidente.
Entre os documentos preparatórios para a operação policial, estava um relatório de inteligência financeira, produzido em janeiro de 2018, que citava a movimentação atípica de funcionários da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Entre eles, estava Fabrício Queiroz, então chefe da segurança de Flávio, com uma movimentação de R$ 1,2 milhão.
A TRAJETÓRIA DE FLÁVIO BOLSONARO: DE DEPUTADO MAIS JOVEM DO RIO A SENADOR SOB SUSPEITA
Eleito senador com mais de 4 milhões de votos, Flávio Bolsonaro é investigado pelo Ministério Público pela prática de “rachadinha”, ato de embolsar parte do salário de assessores. Fabrício Queiroz é ex-assessor parlamentar do senador. Flávio nega irregularidades Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo 18/09/2018Flávio Bolsonaro (à direita) é o primogênito dos irmãos Bolsonaro e foi criado com Eduardo (à esquerda) e Carlos (centro). Ele também tem mais dois irmãos por parte do pai: Jair Renan, de 20 anos, e Laura, de 8 Foto: ReproduçãoEm 2002, aos 21 anos, foi o deputado estadual mais novo eleito da história do Rio, com 31.293 votos. Na ocasião, ele era filiado ao PP e declarou apenas um carro Gol 1.0 como patrimônio à Justiça Eleitoral. Foi o segundo filho do presidente a entrar para a política. Carlos foi eleito vereador do Rio dois anos antes Foto: Sérgio Borges / Infoglobo 18/06/2003Reeleito em 2006, declarou um Peugeot 307 ano 2003, no valor de R$ 35 mil, e um apartamento em Botafogo avaliado em R$ 350 mil. Na eleição de 2010, Flávio declarou escritórios, um veículo mais caro e ações, além do mesmo apartamento em Botafogo. Na de 2014, o apartamento em Laranjeiras, além de um carro no valor de R$ 105 mil Foto: Marco Antônio Teixeira / Agência O Globo 01/02/2007Em 2010, recebeu 58.322 votos, e em 2014, 160.359. Nos 16 anos de mandato na Alerj, Flávio aprovou 12 projetos de lei. Nos quatros mandatos, passou pelo PP, PTB, PFL (atual DEM), PSC e PSL Foto: Márcio Alves / Agência O Globo 11/09/2018Em paralelo à atividade parlamentar, o deputado se casou com a dentista Fernanda Bolsonaro em 2010, com quem teve duas filhas Foto: Reprodução 01/10/2016Ele é dono de uma franquia da Kopenhagen no shopping Via Parque, na Barra da Tijuca. Ao justificar seu padrão de vida e seus bens, Flávio diz que ganha na empresa “muito mais do que como deputado”. Na inauguração da loja, em 2015, compareceram Bolsonaro e o deputado Wagner Montes (falecido) Foto: ReproduçãoEm 2016, Flávio trocou tiros com bandidos para impedir um assalto na Barra da Tijuca. O parlamentar estava em um Honda Civic com segurança e viu quando ladrões abordaram um carro à frente, de dentro do carro, Flávio atirou. Após o confronto, os criminosos, que pilotavam motocicletas, fugiram Foto: Divulgação 13/04/2016No mesmo ano, se candidatou à Prefeitura do Rio pelo PSC. Durante debate na TV, passou mal. Ele acabou socorrido pelos rivais Jandira Feghali (PCdoB), que é médica, e Carlos Osório (PSDB). Flávio ficou em 4º lugar com 424.307 votos Foto: Reprodução 25/08/2016Como toda a família, Flávio sempre teve grande atuação nas redes sociais. Em uma transmissão ao vivo após o pai sofrer ataque com faca em Juiz de Fora, em setembro, ele chegou a chorar e enxugar as lágrimas em uma bandeira do Brasil Foto: ReproduçãoFlávio acompanhou de perto a campanha do pai, principalmente após o ataque com faca. Ele ficou frequentemente ao lado de Bolsonaro durante as transmissões ao vivo do pai na internet Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo 07/10/2018Na carona da popularidade do pai, Flávio foi eleito senador pelo PSL com 4.380.418 votos. Ele fez campanha acompanhado do então assessor Fabrício Queiroz (de preto, sentado na caçamba da picape) como na foto em Campo Grande, na Zona Oeste Foto: Pedro Teixeira / Agência O Globo 15/09/2018O senador está na berlinda desde que o Coaf identificou movimentações financeiras suspeitas de R$ 1,2 milhão na conta bancária de Queiroz, exonerado do gabinete de Flávio em outubro de 2018. Em três anos, o ex-assessor teria movimentado R$ 7 milhões segundo o Coaf Foto: Reprodução / InfogloboNa cerimônia de diplomação como senador, Bolsonaro não compareceu. Uma das transações do ex-assessor listadas pelo Coaf diz respeito a cheques no total de R$ 24 mil destinados à primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Segundo o presidente, trata-se do pagamento de parte de uma dívida de R$ 40 mil Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo 18/12/2018A situação do senador eleito se agravou após o Coaf encontrar 48 depósitos em dinheiro vivo no valor de R$ 2 mil cada entre junho e julho de 2017 nas contas bancárias de Flávio. Um dia após a informação ser divulgada pelo Jornal Nacional, Flávio foi à Brasília conversar com o pai Foto: Ernesto Rodrigues / Estadão Conteúdo
Xênia Soares é delegada desde 2009 e também atuou na Operação “Cadeia Velha”, em novembro de 2017, responsável pela prisão de Jorge Picciani, então presidente da Alerj, e os deputados estaduais Paulo Melo e Edson Albertassi. Na ocasião, a “Cadeia Velha” teve comando na PF de Alexandre Ramagem. A “Furna da Onça” foi uma operação que ocorreu em um desdobramento da anterior e prendeu outros 10 deputados estaduais sob acusação de recebimento de propina e compra de votos no governo de Sérgio Cabral.
Ramagem é atualmente diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e o nome que o presidente Jair Bolsonaro queria para a direção-geral da PF. A escolha foi barrada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes depois das acusações de Sergio Moro de que as trocas seriam uma interferência política na corporação.
Quando a Furna da Onça foi deflagrada, Alexandre Ramagem já era o chefe da equipe de segurança do então presidente Jair Bolsonaro. Ele assumiu a função em 1 de novembro de 2018. Antes disso, estava lotado em Brasília na Coordenação de Recursos Humanos da PF. Mesmo no período da Cadeia Velha, ele também estava lotado em Brasília e trabalhou temporariamente no Rio.
Contradições
Ao anunciar a investigação na noite de domingo, a PF informou, por nota, que já foi realizada uma investigação para apurar se houve vazamentos relacionados à operação “Furna da Onça” depois que uma nota do colunista Ascânio Seleme, em dezembro do ano passado, relatou parte do episódio mencionado por Marinho. A investigação concluiu que não houve vazamentos, porém, diante das declarações de Marinho, foi aberto um novo procedimento.
Procurada, a PF disse que não iria comentar. O GLOBO apurou que policiais da corporação avaliaram, no entanto, que a acusação de que a deflagração da operação teria sido adiada possui contradições. Uma delas seria o fato de que desde janeiro de 2018, além da PF, cópias do relatório do Coaf foram entregues ao MPF, MP estadual e Receita Federal.
Além disso, segundo o relato de Marinho, o delegado da PF teria dito que a Furna da Onça foi adiada em um mês para não prejudicar a campanha de Jair Bolsonaro. Integrantes da investigação dizem que essa seria outra contradição uma vez que a manifestação do MPF para a operação foi entregue no dia 16 de outubro de 2018 e os mandados, um total de 45, foram expedidos em 31 de outubro de 2018 pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). Desse modo, a ação foi deflagrada apenas em 8 de novembro.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) enviou neste domingo um ofício à Polícia Federal solicitando o depoimento do empresário Paulo Marinho no inquérito que apura suposta interferência do presidente Jair Bolsonaro no órgão. A PGR também pediu que a PF ouça, na mesma investigação, Miguel Ângelo Braga Grillo, chefe de gabinete de Flávio Bolsonaro desde 2007.
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