Bate-bocas generalizados marcam o último debate

GRANDE-FAMILIANo último debate entre presidenciáveis antes do primeiro turno das eleições, promovido nesta quinta-feira (2) pela TV Globo, acusações, bravatas e desmentidos de lado a lado levaram a diversos bate-bocas envolvendo praticamente todos os candidatos na disputa pelo voto do eleitor. Corrupção e homofobia, dois dos temas que mais incendiaram os sete convidados, dividiram espaço com questões como drogas e aborto entre os momentos mais quentes da jornada de pouco mais de duas horas.

Em um dos episódios de fogo cruzado, um embate iniciado há duas semanas no encontro promovido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) na TV Aparecida (leia e veja em vídeo), chegou a cume no final da noite. Foi quando os candidatos Aécio Neves (PSDB) e Luciana Genro (Psol) estiveram frente à frente, no formato concebido pela TV Globo, e o tucano se defendeu das acusações de que é “fanático da corrupção”.

Luciana, ciente de que falava para uma audiência maior do que a registrada no embate anterior, voltou à carga sobre o que ela considera “o sujo falando do mal lavado” – ou seja, Aécio e Dilma trocando acusações de corrupção, segundo a candidata. Ela falou sobre “privataria tucana” e “mensalão mineiro” como exemplos da corrupção do PSDB. Aécio respondeu dizendo que ela estava “sem a menor conexão com a realidade”, e que seu grupo combate o PT por ter “visão diferente de governo”.

“Você, que anda de jatinho e ganha um grande salário, não sabe a realidade do povo. Tu és tão fanático das privatizações e da corrupção que chegou ao ponto de fazer um aeroporto com dinheiro público, e entregou as chaves para o seu tio”, fustigou Luciana, ex-deputada expulsa do PT.

Com o dedo em riste, Aécio subiu o tom da voz e bradou: “Não seja leviana! Você não pode falar sobre o que não sabe. No meu governo, todas as obras públicas foram aprovadas. Acusações levianas não refletem o nível deste debate. Você não está preparada para ser presidente da República”, respondeu Aécio. “Não levante o dedo pra mim”, retrucou a candidata.

Além de Aécio e Luciana, o programa reuniu Dilma Rousseff (PT), Marina Silva (PSB), Pastor Everaldo (PSC), Eduardo Jorge (PV) e Levy Fidelix (PRTB), segundo o critério legal que obriga a participação nos debates de todos os presidenciáveis cujos partidos têm representação na Câmara. Com quatro blocos de discussão, em que o último foi reservado às considerações finais, o debate foi mediado pelo jornalista Willian Bonner. Os candidatos se revezaram em sistema de perguntas, respostas, réplicas e tréplicas. Houve sorteio e livre escolha de interlocutores e temas. Diferentemente dos outros três debates, não houve perguntas por parte de profissionais da imprensa.

Acusação de homofobia

Outro momento tenso do debate foi quando Eduardo Jorge fez uma reprimenda ao candidato Levy Fidelix, constrangendo-o a pedir desculpas aos homossexuais e à comunidade LGBT. No debate anterior, promovido pela TV Record, Levy fez discurso classificado como homofóbico. Na última quarta-feira (1º), o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, abriu investigação preliminar para apurar o conteúdo da fala (confira e veja o vídeo).

“Você não tem moral nenhuma [sic] para me falar disso. Você, acima de tudo, propõe que o jovem consuma maconha. Isso é apologia ao crime. Ao aborto, apologia ao crime, está lá no Código Penal. Eu, apenas e tão somente, seguindo a Constituição, pedi para que as pessoas pensassem e repensassem, porque nós temos de ter famílias tradicionais”, disse Levy, que no debate anterior disse, entre outras coisas, que “aparelho excretor não é para reproduzir” e que homossexuais deveriam se tratar longe dele.

Eduardo Jorge, que esteve mais descontraído em outros debates, não se intimidou. “Então, nós vamos nos encontrar na Justiça, quando o Ministério Público abrir o processo”, disse, desafiando Levy a processá-lo por defender o aborto assistido e a legalização regulamentada da maconha. Ele disse que “99,9%” do povo brasileiro se sentiu ofendido. “Quero reiterar que o senhor envergonhou o Brasil com a sua atitude.”

Luciana Genro também afrontou Levy ao criticá-lo sobre o mesmo assunto. Ela atacou o “discurso de ódio” do oponente. “Tu apavorou, chocou, ofendeu e humilhou milhares de pessoas com aquele teu discurso homofóbico. Incitou o ódio, incitou o direito de uma suposta maioria de enfrentar os direitos de uma minoria. Isso já aconteceu no passado: resultou na escravidão, no holocausto, nos mais diversos tipos de genocídio. O teu discurso de ódio é o mesmo que os nazistas fizeram contra os judeus, que os racistas fazem contra os negros”, disse.

Levy não cedeu. “Mentira sua, porque em nenhum momento pedi que as pessoas atacassem alguém. Muito pelo contrário. É o meu legítimo direito de defender a família, defender o povo, e apenas isso. As pessoas que façam de seu corpo o uso que queiram, têm seu livre arbítrio”, rebateu o candidato, afirmando seu direito à “livre expressão”. “Não estimulei nada. Você que turbinou, o tempo todo no Twitter, querendo me incriminar. Mentira sua!”

Luciana, que fez a tréplica, encerrou a discussão dizendo que religiosos ou ateus não compartilham do “discurso de ódio” do candidato do PRTB. Para ela, foi “criminosa” a suspensão do combate à homofobia nas escolas, porque Dilma cedeu à “pressão da bancada fundamentalista do Congresso”.

Alvo vermelho

Dilma foi a última entre os sete candidatos a chegar aos estúdios da Globo no Projac (Rio de Janeiro). E o fez pelo ar, de helicóptero. Já no interior do prédio da emissora, a presidenta passou a ser o alvo preferencial de todos os adversários – Eduardo Jorge, no entanto, foi o que menos atacou a petista. Munidos da mais recente pesquisa de intenção de voto, em que Dilma continua abrindo vantagem e Marina está em empate técnico com Aécio, os opositores da reeleição partiram para a ofensiva.

Já na primeira intervenção, com pergunta dirigida para Dilma, Luciana fez discurso contra a própria Globo e os demais veículos de imprensa, que privilegiariam os três principais candidatos com espaços na mídia. Instada a falar sobre a corrupção na Petrobras, Dilma se defendeu dizendo que conduz propostas como a que se destinam, por exemplo, “a transformar caixa 2 em crime eleitoral”, entre outras com o objetivo de “acabar com a impunidade”.

Em mais de uma oportunidade, Pastor Everaldo e Aécio Neves escolheram um ao outro para centrar fogo em Dilma. O candidato do PSC pôs na mesa a denúncia de que a estrutura dos Correios em Minas Gerais estava a serviço do candidato do PT do governo, Fernando Pimentel. “É vergonhoso o que está acontecendo com nossas instituições”, disse Aécio, em discurso ensaiado com o interlocutor, que se queixou de que está sendo processado, nesse caso, por “falar a verdade” no horário eleitoral.

Capitalizando o fato de ter sido alvo de ataques de PT e PSDB nos últimos dias, a ex-senadora também pressionou Dilma – a ponto de, por duas vezes, continuar falando mesmo tendo esgotadas as respectivas rodadas de questionamento, sendo repreendida por Bonner. Uma dessas ocasiões foi quando Marina acusou Dilma de ter defendido, como agora faz Marina, a independência do Banco Central na disputa presidencial com o tucano José Serra, em 2010, e agora propugnar o oposto. Uma acusou a outra de confundir independência com autonomia.

A questão tem sido usada pela campanha petista para criticar Marina, e Dilma bateu nessa tecla dizendo que isso está escrito no programa da adversária. “Está falando a Dilma das eleições, e não a Dilma das convicções”, vociferou Marina, mencionando a “inflação alta” e a “interferência política” do Planalto na instituição financeira. “Informo à candidata que a inflação está sob controle”, replicou Dilma.

Revezamento de ataques

Aécio e Dilma estiveram frente à frente, por exemplo, quando a candidata reacendeu os temas da privatização da Petrobras e dos bancos estatais, atribuídas ao tucanato. Aécio deixou para responder depois perguntar a Dilma sobre sua relação com Paulo Roberto Costa, ex-diretor da empresa e delator de esquema bilionário de corrupção.

“Nós fizemos as privatizações em setores importantes como siderurgia, porque era necessário”, ponderou Aécio, acusando o PT de utilizar estatais como “cabides de emprego” e “projeto de poder”. “Vocês entregaram a Caixa [Econômica Federal] e o Banco do Brasil em situação extremamente precária. Acho estranho que o senhor trate com tanta leveza um tema como a privatização da Petrobras”, replicou Dilma. Ela lembrou, sem citar nome, a famigerada frase do ex-diretor do setor internacional do Banco do Brasil na gestão tucana, Ricardo Sérgio de Oliveira: as privatizações do PSDB estavam em curso “no limite da nossa irresponsabilidade”.

Willian Bonner teve de interromper uma pergunta de Pastor Everaldo a Aécio, porque ambos fugiram do tema (previdência social) e usaram o Programa de Aceleração do Crescimento para continuar o ataque a Dilma. Em um dos poucos instantes de descontração do debate, Everaldo retomou a fala perguntando o óbvio: “O que o senhor acha da Previdência do Brasil?”, quis saber o líder religioso, arrancando as primeiras risadas da plateia.

Aécio ainda provocou Dilma sobre inflação alta e baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), em seu ponto de vista, e sugeriu que ela “fracassou” na condução da política econômica. “A senhora acaba de nos brindar com uma pérola: ‘A inflação está sob controle’. Provavelmente a senhora considera também adequado o crescimento do Brasil durante seu mandato”, disse o tucano. Dilma reagiu: “Tem alguns momentos em que eu acredito que o senhor nega a realidade. Vocês tiveram a capacidade de colocar o Brasil de joelhos diante do Fundo Monetário [Internacional]”.

Entre os demais temas escolhidos para atacar Dilma, a política de “juros altíssimos”, segundo Eduardo Jorge; a legislação trabalhista (“Defendo que se faça uma reparação em relação ao fator previdenciário”, disse Marina); a política tributária “que favorece ricos em detrimento dos pobres”, de acordo com Luciana; o chamado custo-Brasil (grau de dificuldade para investimentos no país), “que se dá em logística de péssima qualidade, já que esse governo demonizou as privatizações”, nas palavras do tucano; a política internacional; a questão ambiental; e a segurança pública, com a problemática do sistema prisional (“Hoje, o bandido está solto na rua”, discursou Pastor Everaldo).

 

 

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