O altar é a própria imagem e o milagre é conseguir parecer interessante por 30 segundos antes que o algoritmo troque de santo.
Roberto Gutierrez – As pessoas estão perdendo o senso de realidade, e o mais curioso é que ninguém parece notar. Vivemos cercados de telas que prometem conexão, mas entregam apenas distração. Cada toque é uma microdose de dopamina e cada “curtida” é um placebo emocional. A humanidade virou um zoológico digital, onde todos se exibem e ninguém realmente se vê.
Essa mesma humanidade, que um dia ergueu templos, constrói agora ring lights. O altar é a própria imagem, e o milagre é conseguir parecer interessante por trinta segundos antes que o algoritmo troque de santo.
A fronteira entre o real e o virtual derreteu como gelo em micro-ondas. A selfie substituiu o espelho, o “story” virou diário íntimo, e o pensamento foi reduzido a 280 caracteres, com sorte, ilustrado por um meme. O mundo não acabou: ele apenas entrou em modo selfie.
O problema é que, quanto mais nos exibimos, menos existimos. O toque virou “toque na tela”, o olhar virou emoji, o pensamento virou post. A realidade, coitada, anda precisando de um bom editor de imagem para competir com o feed.
Enquanto isso, o eremita atemporal observa de longe; vive fora do tempo, sem pressa, sem notificações, respirando o ar rarefeito da realidade. Vê a humanidade se tocar pela tela e chama isso, com humor trágico, de masturbação coletiva virtual – uma cerimônia diária de autoafirmação e carência.
O eremita ri, porque sabe: o verdadeiro luxo do século XXI é estar desconectado e lúcido. No fim, o único “feed” que ainda alimenta é o da própria consciência – essa, nenhuma IA supera pois ainda somos inteligência biológica.
*Roberto Gutierrez é jornalista. Na comunicação desde outubro de 1976, passou por todas as mídias e há quase três décadas é editorialista e analista político.
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