Andréa Martinelli – “Eu cheguei para trabalhar e tinha uma carta do governo endereçada a mim, agradecendo pelo envio do ‘kit gay’, e só”, conta Rafaela Machado, editora-executiva da “Galera Record”, selo jovem da editora Record que enviou um exemplar do “kit gay” preparado pela editora à ministra Damares Alves.
O verdadeiro “kit gay”, lançado pela Record no final do ano passado, é uma caixa com as cores da bandeira LGBT que contém três livros infantojuvenis, de autores que falam sobre diversidade e que já estavam no catálogo da editora.
Neste mês de março, a caixa foi enviada para a ministra com uma carta assinada por Machado, na qual ela ressalta a importância de priorizar a “informação em detrimento de conceitos pré-estabelecidos, lembrando que o Brasil é o país que mais mata homossexuais e transgêneros do mundo todo.”
“Nós, da ‘Galera’, estamos lutando para mudar este cenário, através da literatura inclusiva, que contemple essa parte da população e as represente”, escreveu.
Segundo Machado, a Ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos não falou mais nada sobre ter recebido o “presente” na carta-resposta. Mas, para ela, “pelo menos conseguimos trazer de novo o debate”, afirma ao HuffPost Brasil.
“Eu acho que a função do ‘kit gay’, na verdade, é criar esse debate. A gente está vivendo um momento em que está se falando muito sobre isso e há muita falta de informação por parte das pessoas sobre uma orientação sexual que foge da norma”, diz. “E a Damares já fez vários comentários que são muito preocupantes”, pontua Machado, ao explicar o envio do kit à ministra.
“Eles [governo] pegaram essas iniciativas de tentar acabar com a homofobia e demonizaram. Ao contrário do que tem sido falado, não existe uma tentativa de doutrinar as pessoas a serem gays. A gente quis pegar o termo ‘kit gay’ e mudar de uma coisa negativa para uma coisa positiva”, completa.
O chamado “kit gay”, apelido dado por conservadores para o projeto “Escola Sem Homofobia”, foi repetidas vezes citado pelo então candidato à presidência Jair Bolsonaro, durante as eleições de 2018. Na época, vídeos dele falando sobre o tema chegaram a ser proibidos pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral)
“A ideia surgiu em uma conversa sobre isso. E falamos sobre como alguém poderia acredita que o ‘kit gay’, como estava sendo mostrado, poderia existir. E brincamos que alguém deveria fazer o ‘verdadeiro kit gay’”, conta Machado.
E o selo “Galera Record” o fez. Dentro do que a editora chama de “verdadeiro kit gay”, estão as obras George (2015), do autor americano transgênero Alex Gino, Dois garotos se beijando (2013), do americano David Levithan, e Você tem a vida inteira (2018), romance de estreia do brasileiro Lucas Rocha.
“Cada um deles é muito especial para a gente (…). A ideia também foi para aproveitar que fomos pioneiros em livros para jovens adultos com temática LGBT [no Brasil] e lançar esse kit”, explica a editora-executiva.
O lado conservador
Segundo o site Publishnews, que ranqueia a lista dos livros mais vendidos no Brasil, O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota e O imbecil coletivo, ambos do escritor conservador Olavo de Carvalho, estão entre os dois títulos mais vendidos da editora Record, à qual pertence o selo Galera Record.
“Havia uma demanda reprimida por esses autores, que nós identificamos”, afirmou Carlos Andreazza, editor-executivo do Grupo Editorial Record, em entrevista ao jornal O Globo, em 2015, quando títulos como os de Olavo começaram a ser publicados pelo conglomerado, que reúne outras 11 editoras, como a José Olympio e a Bertrand Brasil.
Para Rafaela Machado, que é neta dos fundadores da editora, o fato de autores conservadores serem publicados pela editora não foi um impedimento para lançar o “kit gay” ou outros títulos que falam sobre a temática de gênero.
“Ao mesmo tempo que a Record lança Olavo de Carvalho, também lança Márcia Tiburi, e relança o selo feminista Rosa dos Tempos. É uma esquizofrenia mesmo, mas a gente tem de tudo”, afirma, ao destacar que recebem críticas dos dois lados, tanto esquerda quanto direita, por publicarem títulos diversos.
“E justamente por temos o Olavo de Carvalho é que a gente tem que ter o ‘kit gay’ mesmo. Senão, a gente fica muito comprometido com a pauta de um lado só”, completa Machado.
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