Senado – Desafios da regularização fundiária debatidos em comissões mistas

Senado - Desafios da regularização fundiária debatidos em comissões mistas
Acir Gurgacz e Jaques Wagner na reunião conjunta desta terça. Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Em reunião conjunta das comissões de Agricultura e Reforma Agrária, além de Meio Ambiente, debatedores buscam vencer desafios da regularização fundiária.

Agência Senado – Como equacionar direitos dos produtores e proteção ambiental sem beneficiar grileiros que invadiram irregularmente terras públicas foi o grande desafio em debate na reunião conjunta das Comissões de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e de Meio Ambiente (CMA) sobre regularização fundiária, nesta terça-feira (14).

As duas comissões estão promovendo uma série de audiências públicas para debater projetos de lei sobre regularização fundiária e normas gerais para o licenciamento ambiental. Esta foi a primeira reunião para embasar a análise de projetos de lei que unificam a legislação fundiária para todo o país (PL 2.633/2020 e PL 510/2021).

A reunião foi coordenada pelo presidente da CRA, Acir Gurgacz (PDT-RO), ao lado do presidente da CMA, senador Jaques Wagner (PT-BA).

Para o senador Acir Gurgacz, a regularização fundiária é a principal questão social e econômica do Brasil, pois além de levar cidadania para o campo e para as cidades, pode gerar um grande impulso econômico no país.

“O ordenamento social e territorial, além de levar cidadania para o campo,  vai promover o aumento da produção agrícola, da agroindústria, do setor de serviços e do comércio, com a geração de emprego e renda no campo e na cidade”, salienta Gurgacz.

Relator dos projetos em tramitação, o senador Carlos Fávaro (PSD-MT) reconheceu que o tema é polêmico e difícil, sendo preciso enfrentar a modernização da legislação.

“Temos de produzir com sustentabilidade, não transgredir em questões ambientais e não flexibilizar em marco temporal, para não sermos estímulo de novas invasões, para não dar uma mensagem errada. É hora de ajustamos a legislação, ser justos e dar ferramentas modernas para que o Incra possa fazer a regularização fundiária a pequenos e médios produtores brasileiros”, disse.

Jaques Wagner e Zenaide Maia (Pros-RN) são favoráveis à regularização fundiária, mas indagaram sobre o porquê de uma nova legislação, diante de um alto percentual passível de ser regularizado com a legislação vigente (de pelo menos 88%, com até quatro módulos).

“Me parece meio anacrônico uma nova lei: vamos esgotar o estoque que é regularizável na lei atual, para só depois fazer uma nova legislação”, sugeriu Wagner.

Gurgacz lembrou que Rondônia foi habitada a partir de uma grande reforma agrária e não havia conscientização com o meio ambiente na época. Hoje, porém, isso mudou, e é atualmente o estado quem mais vai ganhar com a regularização.

Os rondonienses foram chamados pelo Estado brasileiro para integrar a Amazônia, no esforço de colonização das décadas de 60 e 70, mas até hoje não possuem o registro de seus imóveis devidamente regularizados e legalizados”, pontuou Gurgacz.

Números do Incra apontam que o público total de regularização fundiária e agrária é de 116 mil famílias (em 25 milhões de hectares) na Amazônia Legal, 185 mil (em 1 milhão de hectares) em glebas fora da Amazônia e 688 mil famílias (em 44 milhões de hectares) em assentamentos.

INEFICIÊNCIA DO ESTADO

A promotora de Justiça do Ministério Público do Pará e professora da Universidade Federal do Pará (UFPA) Eliane Cristina Pinto Moreira afirmou que o problema da regularização fundiária não é a ausência de leis, e sim a ausência de aplicação das políticas públicas, com pouca efetividade.

Para a promotora, é preciso haver a elaboração de levantamento dos casos concretos para atendimento dentro das normas já vigentes, com imposição do respeito ao meio ambiente e à floresta como condição para o acesso à terra.

Eliane sugere ainda a criação de programa específico para atender a demanda residual, o respeito aos 2.500 hectares já definidos em lei e, por fim, a identificação das áreas do país em que o sensoriamento remoto não é capaz de alcançar as formas de ocupação existentes na área, para tratamento específico das demandas.

CRIMINALIDADE

A oferta de venda na internet, por grupos criminosos, de áreas protocoladas no Terra Legal é um indicativo da ação ilegal dos que se mobilizam para poder ganhar em cima das legislações em discussão no Congresso, segundo o pesquisador e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Raoni Rajão.

O pesquisador apontou que, dos 107 mil imóveis na base do Incra, 22 mil constam como não ocupados, o que indica um estoque para futura regularização, fato “muito preocupante”.

É importante avançar em um verdadeiro pacote antigrilagem, segundo Rajão, com regularização fundiária em assentamentos. Ele defende ainda o avanço do PL 6.286/2019, que dispõe sobre o crime de invasão de terras públicas a partir de fraude e falsificação de títulos de propriedade; proposição de um projeto de lei de destinação de florestas públicas; aprimoramento do Incra a partir de melhorias tecnológicas e reestruturação do órgão com novos servidores; e maior integração com órgãos ambientais e fiscalização das cláusulas resolutivas.

LEGITIMIDADE

Ao defender a regularização fundiária, o ex-deputado federal Aldo Rebelo, relator do projeto de lei que instituiu o Código Florestal, afirmou que a deficiência do Estado ceifa de propriedades centenas de milhares de agricultores brasileiros.

“As áreas mais pobres do país são terras não regularizadas, como no Pontal do Paranapanema. Porque não recebem investimentos, ninguém vai investir em uma área irregular”, disse.

Só busca a proteção do Estado aquele que tem confiança nos meios que usou para alcançar a sua propriedade, segundo Rebelo.

“O Estado brasileiro dispõe de meios para verificar o que é legítimo e o que é criminoso. Não pode acontecer o pressuposto de que as propriedades têm na sua origem a suspeição do crime. O pressuposto deve ser o da inocência”, afirmou o ex-deputado, para quem a regularização valoriza economicamente não somente a propriedade, mas também os municípios e a sociedade.

PLATAFORMA

O presidente do Incra, Geraldo Melo Filho, esclareceu que o órgão é executor e que vai se adequar às alterações deliberadas, mas apontou questões propostas nos dois PLs que proporcionam inquietações:

“Nos preocupam as alterações de requisitos legais que impactem no processo de análise automatizada de requisitos. Nos preocupa a imposição ao Incra de obrigações que excedem a sua competência fundiária, como ação ambiental. E, por fim, a perda do foco ou objetivo fundiário dessa legislação”, expôs.

Ao apresentar pela primeira vez a interface da Plataforma de Governança Territorial, Melo Filho explicou que essa nova ferramenta estará em operação a partir de dezembro de 2021, para atender o público das regularizações fundiárias e da reforma agrária.

A plataforma possibilitará o acesso de informações pessoais e do imóvel; solicitação on line de títulos; análise automatizada de requisitos para a titulação, inclusive com sobreposição de áreas; geração de relatório de conformidades com o resultado de análise; e apresentação ao requerente das pendências no processo, após a conclusão do requerimento. A ferramenta deve ajudar na regularização fundiária a partir da automatização do uso do sensoriamento remoto.

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