Ji-Paraná 44 anos – na crônica de Roberto Gutierrez

Ji-Paraná é parte da minha vida de uma história que ajudei a escrever. Os 20 meses da última temporada mudou nosso comportamento, trouxe incertezas, medo, dor e tirou de nós pessoas tão queridas, amadas – o abreviar de uma existência.

O homem estava a caminho da Lua quando eu estava a caminho da Vila de Rondônia. Acompanhado da minha mãe, saia da Capital de São Paulo rumo ao desconhecido. Adolescente, não imaginava que esse momento seria um grande passo para a minha vida. Não havia asfalto. Pegamos estrada de chão em um ônibus da Viação Mato Grosso de Campo Grande a Rondônia. Não havia atoleiros: o trânsito era muito pequeno no trecho de Rondônia. – a estrada era boa, o 5º Bec e o 9º Bec cuidavam da manutenção. O movimento de carros era insignificante. Balsa havia em quase todos os rios. Pontilhões em igarapés. Na Vila de Rondônia encontrei um ‘neguinho’ magricela ajudando na balsa – era Roldão Alves – o desportista. Antes de pegar a balsa, comi um salgado ali. Anos depois Roldão me contou que as coxinhas eram feitas pela mãe dele. “Ela fazia pra vender na balsa”. Do outro lado (primeiro distrito), nosso ônibus ainda parou no restaurante Dia e Noite. Hoje é a esquina da avenida Transcontinental com a Vilagran Cabrita – hoje Cloves Arraes. No lugar, funciona hoje uma locadora de carros.

Reportagens

Cinco anos mais tarde, Edgar Lobo Vasconcelos me convida para escrever para a Tribuna. A partir daí passei a registrar as notícias e, sem consciência alguma do grau de importância das coisas, apenas fazer porque gostava de escrever, não percebia que estava não apenas registrando a história, mas, fazendo parte dela. Meu Deus, quantas centenas de pessoas entrevistei; quantas vítimas das derrubadas de mata conheci; quantas vítimas da malária que não tiveram a sorte de estar aqui para contar sua história.

Novo nome

De repente o nome melódico e doce da Vila de Rondônia vira Ji-Paraná. Soava estranho demais. Parecia não combinar. Demorou muito tempo para as pessoas deixarem de chamar Vila de Rondônia.

Quem ajudou a dar tom agradável ao nome pela insistência, foi a TV Ji-Paraná, cujo primeiro diretor foi João Vilhena. Bem depois veio a rádio Alvorada. João Vilhena é hoje (2021) um ancião que ainda mora no bairro Casa Preta.

Pautas históricas

Eu tive o privilégio de cobrir a instalação do município de Ji-Paraná. Walter Bártolo era o prefeito. Aliás, foi o último prefeito da Vila Rondônia. Cobri a inauguração da Rádio Alvorada. Bem antes, cobri a inauguração da TV Ji-Paraná. Nossa cidade é marcada por algo muito curioso: a TV chegou primeiro que o rádio.

Eu trabalhava no Jornal A Tribuna – do Rochilmer Melo da Rocha. Meu editor chefe era Lúcio Albuquerque, mas, ainda peguei três meses da Editoria do Ivan Marrocos. Eu respondia diretamente ao Edgar Lobo Vasconcelos, que era o chefe da correspondência da Tribuna na Vila Rondônia.

É algo emocionante, pois, eu vi tudo isso acontecer. Quando percebo que isso completa 44 anos, que tenho cinco filhos, três dos quais nasceram no extinto Pró-Saúde, e ainda mais seis netos, me vejo um contador de histórias. Quando Vejo que meu amigo doutor Ciro Escobar é nome de Biblioteca, que meu querido Jovem Vilela é nome de escola, que meu amigo Genivaldo José de Sousa – Gerivadão – é nome de Ginásio de Esportes inaugurado pelo Teixeirão, que o Toninho da Mabel é o nome da Rodoviária, que meu adorável Claudionor Roriz virou nome de Hospital, às lágrimas me vêm aos olhos. A gente se emociona à toa quando a maturidade chega – agora consigo entender a minha mãe quando se emocionava ao contar sobre suas experiências de vida.

O aniversário de Ji-Paraná representa muito, pois todos esses municípios irmãos, de Jaru a Cacoal, eram tudo uma coisa só, pois todos os caminhos levavam à Vila Rondônia e todos os caminhos continuam levando à ilha Coração do Estado.

Perdas irreparáveis

Dois anos depois de ter escrito este ensaio, que não tem a pretensão de ser um documento histórico, fomos todos surpreendidos por uma pandemia que mudou nosso comportamento, trouxe incertezas, medo, dor e tirou de nós pessoas tão queridas, amadas – o abreviar de uma existência, afogados no seco sem saber o porquê de tudo isso. Somos sobreviventes, testemunhas de um tempo que só o tempo saberá explicar, igual como foi há 100 anos quando da pandemia da gripe espanhola.  Nossa falta de memória nos pegou despercebido em mais uma tragédia mundial.

Nestes 44 anos do aniversário de Ji-Paraná, temos muito mais do que uma emancipação político-administrativa a comemorar.  Vamos brindar a vida e o privilégio de estar aqui.

Muito obrigado Ji-Paraná, por fazer parte da minha vida, por me dar a oportunidade de fazer parte da tua história que, no percurso da contemporaneidade é um cisco existencial, mas, em minha consciência, faz parte de mim. Parabéns meu amigo ji-paranaense, essa história você também ajudou e continua a escrever. (Roberto Gutierrez)

(texto escrito em 2017 e reeditado em 2021.)

Fotos: Amigos da Vila de Rondônia e de acervo pessoal.

Ginásio Cláudio Coutinho (PVH), posse dos deputados estaduais em 1983.
Museu Marechal Rondon e, aos fundos, a Catedral Dom Bosco ainda em construção.
BR-364 quando ainda se chamava BR-29
Abel Neves, José Otônio e mais pioneiros da Vila Rondônia num banho no rio Machado.

Comentário de muita pertinência

Meu caro amigo Amadeu Machado, quem assessorou o governador Coronel Humberto da Silva Guedes na instalação do município de Ji-Paraná, nos traz essa recordação enviada pra mim via whatsapp:

“Estavas lá fazendo cobertura da instalação do município e deves lembrar que eu era o secretário do ato de instalação, redigindo a ata e ao final da solenidade lendo-a para ser aprovada pelos figurões presentes. A alegria do Walter Bártolo era plena. De noite houve um baila no Vera Cruz e ele abriu as danças, bailando com a mãe dele, Dona Labibe. Aí eu tive que ir embora, porque dois dias depois tinha que fazer a mesma coisa em Vilhena.”
Esse dois dias depois, Amadeu se refere quanto à instalação do município de Vilhena – isso, há 44 anos.

3 Comentários

  1. Parabéns,Roberto! Que texto magistral! Você faz um resgate histórico de forma pedagógica,que encanta quem lê. Digo isso não só como professora de História,sobretudo como cidadã que acha imprescindível o resgate do passado,para compreender o presente e planejar o futuro! A sua narrativa me emocionou,pois ouvi a mesma história,narrada por minha amiga D.Gladys,sua mãe! Essa odisseia do século XX,protagonizada por pessoas que jamais imaginariam que construiam e escreviam uma nova página da nossa história! Esses textos precisam ser compilados em um livro para que fique arquivado para a posteridade.E que cada um que leia possa guardá-las no relicário do coração!Muito obrigada,pela generosidade desse texto iluminado!A HISTÓRIA agradece!

    • OI,Célia.Muito obrigado,amiga.Tens razão: precisamos registrar nossa história para que as gerações possam planejar e compreender melhor as coisas. Minha mãe era uma mulher e tanto. Desculpe-me só agora responder a esse comentário teu.

  2. Meu adeus!!! Quantas lembranças!!! Quanta saudade!!! Muita emoção aqui (estou no Tocantins), vendo tudo isso. Não resistí às lágrimas de saudades….Obrigado Deus, meu Deus, por me permitir estar ainda aqui hoje e poder ver as bênçãos que o Senhor proporcionou ao querido estado de Rondonia. Obrigado Gutierrez por trazer isso à tona.
    Altamiro Moreira (antigo Carrinhos Moreira).

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*