MUITO PRAZER, SOU A POLITICAGEM DOS PADRES. E VOCÊ, QUEM É?

Uma crônica de causos, em primeira pessoa, escrita pelo jornalista Carlos Macena.

“Ensaiava desde março no tarol, sob o comando do famigerado Paulo Woo, que viria a reencontrar séculos depois assessorando o Maluf numa galáxia distante onde rolava uma Constituinte (DF), e partiríamos como favoritos contra a turma do Arquidiocesano de São Paulo e, acredite, a legação de Itapejara do Oeste (PR), para o campeonato brasileiro de bandas e fanfarras, naquele ano com final em Marília (SP). Talabarte, elmo com penacho, calças brancas à arquiduque austríaco, gandola com dólmãs e divisas, nosso repertório tinha “Pour Elise” na abertura da marcha, “O Guarani” ante os jurados e saída triunfal com “Lohengrin”, “Cavalaria Rusticana”, sei lá, só lembro que éramos todos uns fofos.”
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“Quatro, não, oito bumbos. Formação em duas linhas. Dezesseis lindas nas liras. Na sequência, desde a sétima até a décima-primeira linha, todo o naipe de sopros: quatro tubas, quatro concertinas, quatro trombones e, entre os oito pistões, fazendo uma linha “spalla”, imperava o Flama – tampinha metido, topete sempre em chamas, que uma vez calara o ginásio no meio do ensaio da tarde num solo de trompete improvisado, Flammarion Mossri Jr., ele mesmo, filho do emérito pioneiro do colunismo político no jornalismo da capital, junto com Ari Cunha e Edilson Cid Varela – e, fechando a bateria, “noix da cozinha”, dos pratos, repiniques, ganzás, caixas, surdos e taróis – tudo Weril baleado, sambado mesmo mas, pra molecada, digo, pra mim, tava bakanapakarãba.”
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“Eis que o Cão veio. Nele empoleirado, o Mal, hiena a silvar deboches pela bocarra medonha. Infectaram primeiro o Palácio dos Buritis, onde Ernesto Geisel espetou Elmo Serejo Farias, baiano pernóstico que abusou e infelicitou o Parque da Cidade com o nome do filho, e pior: de Conceição do Coité ou de Nazaré das Farinhas, Elmo Farias trouxe o indigitado João Collavolpe para lhe servir de secretário de Planejamento, o qual, valendo-se do tacão militar, introduziu no colégio em pleno setembro, com pompa e circunstância, seu primogênito, mais adulado pelos padres que o capacho dos milicos D. Agnelo Rossi, então todo-poderoso arcebispo de Brasília.”
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“Cumulando sua obra, o Satanás fez chegarem, a uma ou duas semanas da viagem para a final nacional em Marília, um “set” completo de formidáveis, sensacionais, indescritíveis caixas e taróis novinhos em folha, todos dum violeta translúcido maravilhoso, equipadas cada uma, tipo retrovisor de moto, com um tamborim e um mini-agogô, e baquetas tinindo pra gente e também para os bumbos, tudo espetacular.
Foi o primeiro dos tombos das nuvens que a gente leva. Me tomaram o tarol velhinho e me despacharam para um dos pratos. No meu lugar entrou garbosa marmota do Collavolpe Jr., desengonçado feito uma girafa de patins, afinado como a rabeca do Seu Lunga, deixa quieto…”
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“Oito e meia em ponto no estádio de Marília, fechando a noite sob todos os holofotes e aplausos da galera, a Banda Marcial do Colégio Marista de Brasília executa sua evolução magistral no gramado. Como se fosse o reboar dos címbalos de Tchaikovski, Mahler ou Wagner, aquela entrada esplendorosa culminaria num uníssono troar de pratos.
Esqueceram-se todos do rancoroso cearensezinho emputecidésimo, cozido na inveja da novíssima percussão que lhe fora arrancada e na raiva pelo brutal, inapelável rebaixamento de lugar-tenente a meirinho rapapé. Quando meu querido maestro Edson baixou num repente a batuta para o ribombar consagrador dos pratos, o meu repicou sozinho.”
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“Não ia contar porque sei que pega muito mal no ‘zeitgeist’ vigente. Mas todos aprendemos lições inesperadas, venham quando e donde vierem. Resumo da ópera: no quesito evolução perdemos o título de bicampeões nrasileiros para o Arquidiocesano (SP). Na volta pra casa, de madrugada, passaram pasta de dente na minha língua, abriram a janela do ônibus e me botaram de cara pra fora uma boa meia hora. Mas jogarem fora meus óculos foi o que me deixou mesmo invocado.”

* Em respeito ao leitor: fui parar na TV porque a professora proibira menino cabeludo de entrar na E Escola-Classe 107 Sul. Vagabundeei a tarde toda até que o primeiro dos meus Anjos da Guarda me viu sentado na guia do trevo da 408 Sul, parou o Fusca, abriu a porta e perguntou:
– Tá fazendo o que aí, cinco horas da tarde, com uniforme da escola?
– Contando e decorando as placas dos carros.
– Sua mãe tá doida, seu pai quase esganou a diretora, a cidade inteira tá atrás de você, seu desmiolado, vambora…!

 

*Carlos Pedro Macena é de Brasília (DF), 61 anos, graduado em Jornalismo pela USP/1989. Ex-Diretor da Afiliada Globo m Vilhena, ex-repórter de Política da “Folha de Rondônia”, Chefe de Reportagem do “Diário da Amazônia”, Assessor de Imprensa do Detran-RO. Trabalhou na Editora Abril, no Grupo Folhas e 11 anos no Banco do Brasil. Atualmente, só pesca e mente.

 

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